Na altura do quilômetro 507 da BR-364, em Rondônia, o trabalho de uma jovem de 21 anos para o trânsito entre os caminhoneiros que cruzam o Brasil em direção à Amazônia. No ramo de polimento desde os 15, Andressa Silva de Souza tornou-se especialista — e referência — na atividade dominada pelo universo masculino e já conseguiu realizar o sonho da casa própria em apenas seis meses.
A jovem agora pretende alcançar outra meta: expandir os negócios e empregar mais mulheres para que elas não dependam financeiramente de seus companheiros.
Atualmente, fica em um posto de gasolina o barracão usado por Andressa para polir tanques e cabines de caminhões que param na BR-364, em Pimenta Bueno, a 180 km de Vilhena.
“As mulheres devem ter garra. Eu e minha colega de trabalho viramos a noite fazendo polimento. Temos muita garra”, afirma ela. “Quero passar às mulheres que elas ganhem o seu dinheirinho, sem depender de ninguém. Hoje tenho 21 anos e consegui minha casa, estou tirando minha CNH. Não tem coisa melhor que isso.” No dia da conversa com o site Universa, ela havia dormido pouco mais de três horas — o último polimento acabara por volta das 4h da madrugada.
TALENTO DESCOBERTO POR ACASO
Andressa iniciou na atividade por acaso. Ela saiu da casa dos pais aos 15, após desavenças familiares (já resolvidas, segundo ela), e foi morar com a tia. No terreno havia um lava-jato de automóveis, e seu primeiro emprego acabou sendo lá, lavando carros.
Certo dia, um caminhoneiro encostou o veículo na lavagem e perguntou se alguém poderia polir os tanques. Nenhum dos homens topou, mas Andressa — ainda adolescente — aceitou o desafio. Não parou mais, derrubando a eventual desconfiança de caminhoneiros que estacionam à margem da BR-364.
“Ele me deu os produtos e fui lixando sozinha. Viram que eu levava o jeito e continuei”, recorda a jovem. “No começo, os motoristas duvidavam e perguntavam se era eu mesmo quem iria polir os tanques. Mas nada além disso, não teve preconceito. Foi algo natural e nada planejada essa minha entrada no ramo.”
ELOGIO DE CAMINHONEIRO VIRALIZOU
Durante cinco anos, Andressa tinha uma rotina de cinco polimentos ao mês. Em 2019, a vida dela deu uma guinada depois que um caminhoneiro elogiou a jovem nas redes sociais enquanto polia um tanque. A postagem viralizou chamou atenção de uma das maiores empresas de polimentos do país, que ofertou um curso para Andressa, em São Paulo. A oportunidade era tão boa que a jovem imaginou ser um trote. Ela, que nunca tinha viajado de avião na vida, embarcou sozinha.
“Fui escondida da minha mãe, mas com dinheiro para voltar. Já pensou se não fosse tudo aquilo mesmo?”, conta, precavida. “Mas foi um sucesso, conheci a fábrica, os produtos e fui a um evento. Conheci também muitos polidores do mundo inteiro e ainda fiz um curso”, comemora.
CASA PRÓPRIA AOS 21
O aperfeiçoamento em São Paulo conferiu a Andressa a habilidade de polir cabines de caminhão, aumentando sua clientela. A empresa ainda se comprometeu em fornecer produtos e equipamentos, o que livrou a jovem de despesas recorrentes.
Sem esse custo, Andressa conseguiu começar a guardar parte do dinheiro dos polimentos. Em um semestre conseguiu realizar o sonho da casa própria, aos 21 anos. Ela comprou um terreno e construiu do zero. A obra terminou no fim de janeiro.
Andressa conta que, para juntar o dinheiro, virou dias e noites com polimentos. Eram cerca de 10 a 12 horas diárias em tanques e cabines de caminhões. A rotina atualmente é mantida, sobretudo à noite, quando os caminhoneiros estacionam — para pegarem a estrada novamente ao amanhecer.
Depois de empregar três homens em 2019, Andressa agora conta uma funcionária, Cleo Fonseca, de 45 anos. “Não troco por nada. Vale por dois”, ela garante.
O próximo sonho de Andressa é construir um barracão próprio para polir os caminhões, expandir os negócios e contratar “mais guerreiras”, em suas palavras. Pretende também tornar-se ela própria uma caminhoneira. O processo para a habilitação para dirigir veículos pesados está em andamento.
IGUALDADE DE GÊNEROS
Desde que iniciou com os polimentos, Andressa parou de estudar, ainda no ensino médio. Por isso, argumenta que não entende muito de assuntos feministas e empoderamento das mulheres. Mesmo sem embasamento teórico, a jovem carrega em seu discurso a igualdade de gênero entre homens e mulheres e mostra, na prática, que a mulher pode ocupar qualquer espaço e profissão.
“Trabalhem, mulheres, sejam independentes”, é o conselho que ela costuma dar. “Não precisam aceitar migalhas. Estudem, trabalhem e sejam donas de si mesmo”, diz.
Para a jovem, se as unhas não estão sempre pintadas em razão dos polimentos, o dinheiro conquistado a torna cada vez mais independente. “Unha feita nunca tenho — só quando meu namorado chega dos fretes, pois ele é caminhoneiro, tiro um ou dois dias para ir ao salão. Mas é muito difícil porque suja muito”, conta. “Não sou muito vaidosa também. Sinto falta, mas, como é por causa do meu serviço, não tenho como dar prioridade. Isso, porém, não me deixa menos mulher.”