O avanço do desmatamento na Amazônia pode resultar no desaparecimento do macaco-barrigudo em Rondônia nas próximas décadas. Um recente estudo brasileiro publicado no periódico internacional Biodiversity and Conservation revela que, caso nada seja feito para frear as taxas de perda de floresta no bioma, o mamífero corre risco de perder até 58% do seu habitat natural em 30 anos, sendo a maior parte dessa perda no estado.
De pelagem acinzentada, o macaco-barrigudo é um dos maiores primatas da Amazônia e está na lista global dos animais ameaçados de extinção.
A espécie ocorre em diversos fragmentos da floresta em Rondônia, região que em 2020 já tem 205,53 km² de área desmatada, segundo aponta o sistema Deter-B do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
No trabalho liderado por Thiago Cavalcante, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), em colaboração com pesquisadores de outras instituições, a distribuição geográfica do Lagothrix cana foi reavaliada e atualizada com subsídios para embasar políticas de conservação com intuito de diminuir o risco de extinção da espécie.
A pesquisa contou ainda com a colaboração de outros pesquisadores do INPA, IDSM, Universidade Federal de Rondônia (Unir) e Universidade do Estado de Minas Gerais (UFMG).
Segundo Thiago, a partir dessa atualização foi possível avaliar as áreas mais adequadas para que o macaco-barrigudo possa continuar vivendo na natureza.
“Nosso estudo mostrou que apenas 39% (159,250 km²) da área ocupada pela espécie está dentro de áreas protegidas, sendo 20% em Unidades de Conservação e 19% em Terras Indígenas”, explicou o pesquisador.
Em 2002, 23% do habitat do macaco-barrigudo já havia sido perdido. Seis anos depois, a espécie foi classificada como “Em Perigo” na lista vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN).[
Também está entre os 110 mamíferos do Brasil em risco de extinção na lista do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
Alguns dos motivos principais, segundo o ICMBio, são a “intensa caça, inclusive em Terras Indígenas, onde o uso de armas de fogo e o acesso a áreas mais remotas é cada vez maior, aliada ao desmatamento, redução e desconexão de habitat, agricultura, pecuária, expansão urbana”.
“A Amazônia tem cerca de 92 espécies de primatas, das quais pelo menos 15 estão classificadas como ameaçadas, sendo três dessas com ocorrência para o estado de Rondônia. É bem provável que outras espécies de primatas com ocorrência no estado também estejam ameaçadas. No entanto, ainda não existem dados disponíveis sobre todas elas para que seja possível realizar uma avaliação desse tipo”, reforçou Anamélia de Souza Jesus, pesquisadora do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (IDSM) e coautora do trabalho.
Novos registros
Dentre os registros obtidos nesse estudo para Rondônia, os pesquisadores coletaram novas áreas de ocorrência do macaco-barrigudo, como Colorado do Oeste, Chupinguaia, Pimenta Bueno, Ji-Paraná e Cacoal.
Nas áreas protegidas de Rondônia, foram encontrados registros na Reserva Biológica do Jaru, Reserva Água Fria, além das terras indígenas Igarapé Lourdes, Roosevelt e Zoro.
“A espécie foi vista inclusive na área urbana de Cacoal. Ela só ocorre do lado direito do Rio Machado. Do lado esquerdo, nunca foi encontrado”, revelou Almério Gusmão, professor do Centro Técnico Estadual de Educação Rural Abaitará (Centec Abaitará), em Pimenta Bueno, e coautor do artigo.
Normalmente, macacos-barrigudos são encontrados em bandos de pouco mais de 12 indivíduos, “mas os fragmentos estão ficando menores a cada ano”, conforme o pesquisador Odair Diogo da Silva, também coautor do estudo. Não é possível estimar no momento quantos indivíduos da espécie ainda existem.
Para realizarem as previsões da distribuição geográfica do macaco-barrigudo, os estudiosos usaram dados já publicados de uma espécie evolutivamente próxima do primata que também ocorre em Rondônia: o macaco-aranha, também conhecido coatá-de-cara-preta.
O Ateles chamek já tinha um maior volume de dados científicos referentes a hábitos e distribuição geográfica. Dessa maneira, foi possível identificar locais importantes para conservar ambas as espécies, sendo boa parte desses locais também em Rondônia.
Perda de habitat
A situação do macaco-barrigudo e do macaco-aranha em Rondônia é preocupante, principalmente por causa da velocidade com que acontecem as alterações no bioma amazônico em consequência do desmatamento e a fragmentação florestal.
“A partir da década de 50, com os projetos do governo de colonização da região amazônica, iniciou-se esse processo de desmatamento, levando a uma grande perda de floresta”, contou Odair Diogo.
“Literalmente, esses animais são os plantadores das florestas. Eles se alimentam de uma grande quantidade de frutos, e se deslocam por grandes distâncias dispersando as sementes dos frutos que consomem. Portanto, a regeneração e a continuidade da própria floresta ficam comprometidas sem esses animais”, reforçou o pesquisador.
A área desmatada na Amazônia foi de 10.129 km² entre agosto de 2018 e julho de 2019, de acordo com números oficiais do governo federal divulgados Inpe. Trata-se de um aumento de 34,4% em relação ao período anterior (agosto de 2017 a julho de 2018), que registrou 7.536 km² de área desmatada.
Nesta semana, o presidente Jair Bolsonaro prorrogou até julho o uso de tropas das Forças Armadas para combater focos de incêndio e desmatamento ilegal na Amazônia Legal.
A determinação se aplica à faixa de fronteira, terras indígenas, unidades federais de conservação ambiental e outras áreas federais nos estados, mas a atuação das tropas também poderá se estender a áreas estaduais se houver pedido dos governos. O decreto foi publicado na edição extra do “Diário Oficial da União”.
Fonte: G1 RO